Imagine a seguinte cena: um grande número de alunos sentados em carteiras enfileiradas de frente para um quadro por 4 horas diárias. O professor ensina um conteúdo e passa uma série de perguntas para avaliar o grau de assimilação de seus alunos. Se sai bem quem tiver mais facilidade para memorizar os conteúdos aprendidos. Essa é uma cena recorrente nas escolas tradicionais de vários lugares e perpassa gerações de pessoas. Por muitos anos o método tradicional atendeu bem aos objetivos de um currículo voltado à formação para o trabalho, mas, hoje em dia, encontra-se longe de atender a uma sociedade dinâmica e tecnológica. Em um recente artigo do nosso blog, falamos sobre como as tecnologias transformaram a forma de aprender e ensinar.
Foto: Site da SEDU
Indo nessa direção, a Escola Viva, novo modelo de escola pública, traz uma metodologia diferenciada e visando descobrir e trabalhar os diversos potenciais de seus alunos, ou seja, dá ao estudante o posto de protagonista na construção do seu futuro. Funcionando em tempo integral (9 horas e meia – incluindo refeições), o currículo é composto por 4 componentes: as disciplinas previstas na Base Nacional Comum, Disciplinas diversificadas (Inglês e Espanhol), componentes Integradores (Projeto de Vida, Estudo Orientado, Protagonismo Juvenil…) e disciplinas eletivas. O componente “Projeto de Vida”, por exemplo, tem como objetivo auxiliar o aluno a planejar metas para alcançar objetivos de vida a curto, médio e longo prazo. Para atender 10 mil alunos em pelo menos 17 unidades só no ES, a Escola Viva dispõe de salas temáticas, laboratórios de ciências e informática, além de espaços de vivência. Para 2018, o programa pretende oferecer 20 mil vagas e ampliar para 32 o número de escolas no Estado. Clique aqui para fazer sua pré-matricula em alguma unidade da Escola Viva (a data vai de 20/11 a 21/12). Aqui é possível saber onde serão inauguradas as novas unidades.
A universitária Eduarda Soares (foto), de 18 anos, mora em Vitória e foi aluna da Escola Viva durante os anos de 2015 e 2016 na unidade de São Pedro, a primeira escola do tipo no ES. Atualmente Eduarda cursa Design e desempenha o papel de voluntária na unidade em que estudou. Ela contou, em entrevista a nossa colaboradora Juliana Pimenta, um pouco sobre a oportunidade que teve em ser aluna desse projeto. Falou sobre sua adaptação ao novo método, que oferece um novo tipo de liberdade ao aluno. Citou algumas atividades que são desempenhadas e como é construída a relação entre todos. Além disso, contou sobre seu papel como acolhedora dos novos alunos e as modificações que tal responsabilidade lhe trouxe.
Ouça o áudio da entrevista abaixo ou leia a versão transcrita a seguir.
Juliana: Quando e como você teve a oportunidade de ingressar na Escola Viva e por quanto tempo estudou lá?
Eduarda: Eu fazia o 2º ano do Ensino Médio e o governo estava com uma forte propaganda na época nas escolas públicas a respeito da escola. Eu me interessei porque estudava numa escola de periferia e o ensino não era muito bom, como a gente sabe. Eu vi ali uma oportunidade. Eu pensei: “Eu posso ir. Pode não dar certo, mas é melhor tentar”. Eu entrei lá no meio do ano de 2015 e saí em 2016 no final do ano. Foi lá que concluí o Ensino Médio.
Juliana: Como foi a experiência de estudar nessa escola? Conte-nos um pouco sobre a grade curricular, o corpo docente, a infraestrutura entre outros.
Eduarda: Para um jovem que sempre estuda num estilo de escola já engessada, tem um primeiro choque. Nos primeiros meses eu tinha um cansaço muito maior do que tinha em outras escolas porque você costuma fazer mais coisas. O tempo que você gasta ali no estudo é muito maior. Para me adaptar, o processo foi um pouco lento no início, mas depois eu me adaptei super bem. Lá a gente tem a Base Nacional Curricular, que são as matérias como Português, Matemática, Química… E lá temos uma grade diversificada, que é onde temos clubes, eletivas, aprofundamento de estudos, tutores. Os clubes são ambientes onde os próprios alunos criam aulas e onde vão tratar de assuntos que tenham mais a ver com sua personalidade. Por exemplo, temos clubes sobre jogos eletrônicos, clubes de dança, clube de culinária e o jovem decide no que ele se adapta. É um momento de você explorar suas habilidades. Temos eletivas, que seguem essa base dos clubes, mas são feitas por professores. Nós tínhamos eletivas sobre astronomia, teatro, direito e política. Lá você cria uma liberdade que você nunca provou, então os tutores são professores ou funcionários que te tutoram. Vão conversar com você, cuidando para que você seja bem direcionado ali dentro. O corpo docente é uma das diferenças da escola. Eles trabalham com a pedagogia da presença. Uma das coisas que me espantou de primeira foi o diretor da escola, que estava e está lá todos os dias às 7h30 esperando os alunos na porta. Lá você cria laços além da questão acadêmica, cria laços reais de amizade e companheirismo. O modelo de escola integral é ser numa escola já pronta. Na minha em particular, que foi em São Pedro, foi feita numa antiga faculdade. A estrutura é muito melhor do que as escolas que estava acostumada. Nossa estrutura era muito mais complexa: os laboratórios eram muito específicos e tinham todo o material necessário, a biblioteca era enorme e o espaço era muito bacana. Como você passa o dia todo, tem vários horários para se alimentar, auxiliado por nutricionistas. Os modelos de Escola Viva são muito parecidos para que você reconheça que ali tem uma Escola Viva.
Juliana: Quais diferenças você percebeu entre a Escola Viva e as outras que você estudou?
Eduarda: A primeira diferença foi em mim. Quando eu fui estimulada através de pessoas que buscavam me ouvir e saber do que eu queria, eu quis me esforçar mais. A diferença está nos pequenos detalhes. Você está ali com pessoas que você não conhece e é bacana a forma com que são aceitas sua opinião e a diferença de cada um. Jovens e adolescentes são muito diferentes e ali você tinha que aprender a lidar porque passava o dia inteiro. A diferença na equipe docente era muito grande. Ali me sentia mais motivada.
Juliana: Como surgiu a oportunidade de ser voluntária? Quais funções você desempenha?
Eduarda: Nos dois primeiros dias não têm aulas comuns. Os alunos são recebidos e passam por dinâmicas, palestras e por algumas brincadeiras. É ali que você aprende sobre o modelo e, principalmente, sobre a ideia que a escola passa, que é a de formar jovens protagonistas. É nesse acolhimento que o jovem entende o que é ser protagonista e que tem autonomia para cuidar da vida dele, fazer suas decisões e arcar com as consequências. Lá eles trabalham os quatros pilares da educação propostos pela ONU, falam muito sobre a questão do jovem solidário, competente e autônomo. Durante o ano, eles observam alguns alunos que possuem certas habilidades para serem acolhedores. Surgiu o convite para que eu fosse acolhedora da escola e eu aceitei. Passamos por momentos de estudo, porque não é tão fácil. Você acaba virando cartão postal da escola. Minhas funções eram o acolhimento inicial, receber visitas de diferentes órgãos, fazer trabalhos em comunidades e em outras escolas para formar novos professores e alunos.
Juliana: Você sente de alguma maneira que sua vida mudou ao desempenhar o papel de voluntária?
Eduarda: Na questão pessoal como ser humano. Eu amadureci muito porque você tem uma responsabilidade Essa foi uma das maiores mudanças que tive. Minha maneira de ver o mundo como acolhedora, porque você passa por situações em que você não está acostumado. Eu era muito tímida e ali eu desenvolvi uma habilidade de comunicação muito grande, principalmente com jovens. Quando você fala de jovem pra jovem é diferente. A maior mudança foi na questão de abrigar, literalmente acolher o outro. Hoje em dia eu tenho a facilidade de acolher adolescentes que, às vezes, passam por situações que a gente não discutia dentro da escola e sinto uma aceitação maior do que se fosse com um professor.
Juliana: O que você diria para os pais que desejam por seus filhos na Escola Viva?
Eduarda: Claro que meu conselho é “Coloque!”, mas é importante para um amadurecimento pessoal. É difícil os pais terem essa facilidade de colocar seu filho. Tem aquela insegurança de o filho estar lá todos os dias o tempo todo e não saber o que está acontecendo. Mas temos que experimentar novas coisas. Se a gente quer o avanço, a gente precisa estar apto para mudar. É preciso conhecer a mentalidade do jovem e conversar sobre o quanto é importante ter responsabilidades. O pai deve estar inserido na vida acadêmica e conhecer o filho dentro e fora da escola.
Referência:
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